Em 2022, foram abertos 295 mil processos relacionados ao SUS
Somente no ano ado, foram abertos mais de 295 mil processos na Justia, que contestam algum aspecto relacionado ao atendimento no Sistema nico de Sade (SUS). De acordo com o Conselho Nacional de Justia (CNJ), em 2021 e 2020, o total foi de 250 mil e 210 mil, respectivamente, o que indica aumento gradual, a cada ano.
Em relao rede privada, 2022 registrou 164 mil processos novos. Em 2021 e 2020, foram abertos 137 mil e 135 mil processos judiciais, respectivamente. J neste ano, o total tambm foi inferior ao do SUS -, embora a comparao deva levar em considerao a magnitude do sistema pblico.
A quantidade elevada no perodo de 2020 a 2022 pode sinalizar um boom por causa da pandemia de covid-19. Porm, quando se observam outros dados, que no tm relao com o contexto da crise sanitria, percebe-se, nitidamente, a lentido dos julgamentos. O tempo mdio para o Poder Judicirio julgar a causa, quando o caso envolvia tratamento oncolgico, ou seja, para cncer, tanto no SUS quanto na rede privada, era de 277 dias, em mdia, em 2020. Trs anos depois, saltou para 322. Isso significa que uma pessoa em situao de fragilidade aguarda quase um ano at saber se ter direito a receber atendimento.
Um dos grupos de processos judiciais com mais demora o referente a doaes e transplante de rgos. De 2020 para 2021, viu-se uma reduo de 621 para 439 dias, em mdia. Contudo, em 2022, a durao mdia de tramitao at o julgamento foi de 825 dias. Em 2023, o patamar ainda no sofreu reduo expressiva no que se refere a tempo de trmites nos tribunais, ficando em torno de 713 dias.
O advogado Leonardo Navarro, integrante da Comisso de Direito Mdico e Sade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em So Paulo, especializado na rea h cerca de 15 anos. H uma dcada, segundo ele, comeou a crescer o nvel de judicializao da sade no pas, o que acendeu um alerta para o SUS, a Agncia Nacional de Sade (ANS) e as operadoras de sade. A reao foi a de tentar evitar.
Depois de tanto tempo de carreira, Navarro diz no ver, atualmente, "grande dificuldade" para quem precisa acionar a Justia a fim de assegurar um direito na rea da sade. "Temos a diversas universidades que tm convnio com a OAB, com o prprio Judicirio, o Poder Pblico, justamente para viabilizar o o de pessoas que no tm renda. Em So Paulo, h uma Defensoria Pblica super capacitada", comenta.
Navarro reconhece, no entanto, que nesse caminho percorrido por quem no tem condio de pagar honorrios falta rapidez. "Tem agilidade? Tem aquela pessoalidade que teria com o advogado [contratado]? No, lgico que no, mas tem a prestao de servio pelo Estado", diz.
A presidente da Associao de Fibrose Cstica do Esprito Santo, Letcia Lemgruber, tem como um dos temas e lutas de sua vida as doenas raras. Ela tem um filho com fibrose cstica, que consiste no mau funcionamento das glndulas excrinas, que produzem secrees. A doena afeta os rgos reprodutores, pncreas, fgado, intestino e pulmes.
Um dos obstculos para pacientes de doenas raras conseguir as chamadas drogas rfs, ou seja, medicamentos para seu tratamento, que ganharam esse nome por serem produzidas por big pharmas e por seu alto valor, o que implica dificuldade para obter pelo SUS e a necessidade de se recorrer judicializao.
Como exemplo de lentido, no o a medicamentos, Letcia menciona o ivacaftor, que foi a recomendao da Comisso Nacional de Incorporao de Tecnologias no Sistema nico de Sade (Conitec) para ser oferecido, pelo SUS, ao tratamento de pacientes com a fibrose cstica, feita em dezembro de 2020. Somente em outubro de 2022, conforme relata a representante da associao, que pacientes com o diagnstico da doena podem ter a medicao gratuitamente, pela rede pblica.
"Ou seja, demora muito at chegar mo do paciente. E exatamente porque essas etapas acabam tendo uma velocidade incompatvel com a progresso da doena, especialmente das doenas raras, que o paciente no tem outro caminho para ar a medicao que no o Judicirio", diz ela, que tambm presta consultoria Associao Brasileira de Assistncia Mucoviscidose (Abram).
"A primeira barreira o tempo dessas etapas. A segunda a exigncia de registro na Anvisa [Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria], que permite o o pelo SUS. Se o laboratrio no pede o registro, ele nunca vai ar por meio do SUS, s judicialmente. E a terceira barreira o preo. A que vem a nossa briga", acrescenta.
A Agncia Brasil pediu um posicionamento do Ministrio da Sade e da Associao Brasileira de Planos de Sade (Abramge) sobre a judicializao, mas no teve retorno at o fechamento desta matria.
FONTE: Agncia Brasil