Orla moradia de africano arteso que sonha em escrever um livro 4x4c5e
Publicado em 17/04/2020
Editoria: Cidade
H onze anos em Campo Grande e dois na Orla Morena, Camurupim, como conhecido, fez do cruzamento da Avenida Noroeste com a rua Antnio Maria Coelho, seu lar. Bem antes de entrar na moda a estampa verde militar, ele j usava a cor no macaco que combina com a botina e o chapu de couro. De origem africana, o nome o mesmo de registro, e veio de alguma etnia do continente de origem. Na cabana, como chama sua casa, expe mais de 15 filtros dos sonhos, de todos os tamanhos e cores. Mas ele garante que a especialidade das mos de arteso queimadas do sol so os insetos feitos de fio de ferro. Durante a conversa, ele terminava um escorpio.
Conhecido por Camu pelos moradores da Vila Planalto, quem a de carro ou para no sinaleiro que fica na sua varanda, o cumprimenta e reconhece. Falem bem desse cara, ele um patrimnio do bairro, grita um motorista. O restaurante que costuma comprar marmitex estava fechado hoje. Ele olha para o pulso e no relgio marca 15h21. Camu ainda no havia almoado.
A pandemia do novo coronavrus tambm afetou seus dias, h pelo menos um ms. De mscara no pescoo, Camu escuta as notcias sobre a pandemia pelo rdio de um colega, tambm morador de rua, que s vezes vem visita-lo. Tem sido dias ainda mais difceis. Mas no de hoje e nem dessa semana. Desde que o Itamarati desembarcou com os 18 ageiros vindo da China no Brasil, no vendi nenhum artesanato.
Camu no apenas reconhece o Ministrio de Relaes Exteriores e muito menos entende apenas de poltica. Durante a conversa, explica a diferena de animais peonhentos e no-peonhentos e sonha um dia em escrever um livro.
Logo mais eu quero escrever um livro, chamado brinquedo de criana pobre. Contaria tudo sobre a vida, no s a minha, e ia mostrar que todo mundo igual.
Artesanatos de Camu so filtros dos sonhos e insetos de arame e plstico. (Foto: Paulo Francis)
Alm de poltica, biologia e literatura, Camu explica para o amigo haitiano que chega para cumprimenta-lo, qual a diferena entre um jornalista e um reprter fotogrfico. Eu falo um pouco de francs, ele haitiano, mora logo ali embaixo, explica. Para se referir a Paulo, fotojornalista da equipe, conta ao amigo que no desempenha o mesmo papel que um jornalista. Jornalista manda a matria para o jornal, conversa com as pessoas. Ele no, ele reprter fotogrfico, esse o linha de frente. Qualquer perigo, ele que corre. como o Tim Lopes, que era jornalista. O reprter fotogrfico vem antes dele tirar a foto.
Durante dois anos Camu diz que morou em hotis prximos ao local onde fica hoje. Com o aumento do valor das dirias, teve de se mudar para rua.
Pagava R$25 por dia no quarto mas comeou a subir, foi para R$50, daqui a pouco R$60, eu falei ah no, vou ter que ir para rua.
Durante o dia, ele expe o artesanato na calada e noite monta uma barraca de lona maior, para se proteger do frio.
Frio um dos aprendizados na lista de Camu. Numa semana em que a temperatura chegou aos 14C na Capital, a estratgia dele utilizar papelo e plstico como abrigo.
Vou sobrevivendo ao frio. J enfrentei -1C aqui. Existe s uma coisa para fazer: pegar papelo e plstico. Papelo no deixa entrar umidade e plstico ajuda a esquentar. S.
Origens Camu conta que nasceu na frica e veio para o Brasil com a me. Trabalhou na Marinha, em So Paulo, como mecnico naval e diz que viajava o mundo nas embarcaes. Aps ter um filho, hoje com 26 anos, a me decidiu voltar com o beb de apenas quatro meses poca para o pas de origem. Depois de um tempo minha me voltou com ele. Fazer o que, se ela gosta de l no posso fazer nada. Minha me s pediu para eu fazer um filho para ela levar para l e ficar com ela. Ele nasceu aqui e foi criado l, ao contrrio de mim. Eu nasci l e fui criado aqui no Brasil. Pelo menos l ele t seguro, num lugar sem doena, se referindo ao coronavrus.
Quanto esposa dele, conta que comprou uma loja, tambm de artesanato, aps sair da Marinha. Hoje sem famlia em Campo Grande, os dois se separaram quando ele descobriu que ela se relacionava com seu irmo. A me do meu filho? Dei uma loja pra ela numa galeria na 25 de maro, porque at ento ela mereceu. Depois ela errou, ela quem adulterou o casamento com meu prprio irmo de sangue. Mas tudo bem, fazer o que. Eu sou forte, continuo tombando mas no caio.
Se pudesse, Camu afirma que teria a prpria loja de artesanato. seu segundo sonho, depois de escrever um livro.
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FONTE: Campo Grande News