Em 2022, o indgena guarani-kaiow Vitor Fernandes, de 42 anos, morreu em confronto. (Foto: Aty Guassu)
Em Mato Grosso do Sul, os ataques esto fortemente ligados a reas de retomada e aos conflitos com fazendeiro
Mesmo com uma leve queda no nmero total de conflitos no campo no Brasil em 2024, a violncia contra comunidades rurais e povos tradicionais segue alta em Mato Grosso do Sul, conforme relatrio Conflitos no Campo Brasil 2024, lanado nesta semana pela T (Comisso Pastoral da Terra). O Estado concentrou mais da metade (52%) das tentativas de assassinato contra indgenas registradas em todo o Pas. com 42 denuncias.
Ao todo, foram 103 tentativas de homicdio em contextos de disputas por terra e territrio no Brasil. Desse total, 79% tiveram indgenas como alvo. Em Mato Grosso do Sul, os ataques esto fortemente ligados a reas de retomada e aos conflitos com fazendeiros principal grupo identificado como autor das violncias.
Outro dado que chama a ateno a suspeita de atuao coordenada de grupos organizados em ataques a acampamentos e reas ocupadas. Segundo a T, o grupo Invaso Zero ligado a grandes proprietrios de terra teve aes comprovadas em sete estados. Em Mato Grosso do Sul, embora no haja confirmao formal, os ataques registrados seguem o mesmo padro de violncia identificada em outras regies, como o uso de milcias armadas e apoio logstico por fazendeiros.
No ranking geral de conflitos por terra, incluindo os que envolvem movimentos como os dos sem-terra, Mato Grosso do Sul registrou 93 ocorrncias em 2024, ocupando a 7 posio nacional. O levantamento mostra que, embora o nmero total de conflitos no pas tenha recuado 3% em relao a 2023 (de 2.250 para 2.185), a violncia permanece elevada, principalmente nos eixos terra e gua.
Veja listas de crimes emblemticos com indgenas como vtimas, registrados em MS nos ltimos anos:
Antnio Joo (2024)
Indgena Neri Kaiow foi morto a tiros em confronto com policiais militares no Territrio Nhanderu Marangatu, no municpio de Antnio Joo, fronteira com o Paraguai. H quase trs dcadas o local, conhecido como Fazenda Barra, j era palco de conflitos por terra.
Massacre de Guapoy (2022)
Em 2022, o indgena guarani-kaiow Vitor Fernandes, de 42 anos, morreu em confronto com policiais do Batalho de Choque da Polcia Militar em Amambai, no episdio conhecido como Massacre de Guapoy. Em 2024, seu corpo foi exumado para investigao.
Assassinato de Clelson Velasques Vern (2023)
Em outubro de 2023, Clelson Velasques Vern, de 32 anos, desapareceu na Aldeia Jaguapiru, em Dourados. Posteriormente, seu corpo foi encontrado, e Agnaldo Gimenes Almiro foi preso e confessou o crime.
Massacre de Caarap (2016)
Em 2016, durante uma retomada de terras na Fazenda Yvu, em Caarap, o agente de sade indgena Clodioudo Aquileu Rodrigues de Souza foi morto, e outros indgenas ficaram feridos. O ataque foi realizado por fazendeiros e pistoleiros contra os guarani-kaiow.
Antnio Joo (2015)
Outra morte na Fazenda Barra, em Antnio Joo. Simeo Vilhalva foi assassinado em 29 de agosto de 2015, por jagunos armados, que partiram da sede do Sindicato Rural de Antnio Joo, conforme investigao da Polcia Federal.
Buriti (2013)
No dia 15 de maio de 2013, grupo de indgenas entrou na Fazenda Buriti, em Sidrolndia, que pertence ao ex-deputado estadual Ricardo Bacha, reivindicando17 mil hectares. Oziel Gabriel, indgena terena, morreu aos 30 anos.
Antnio Joo (2005)
H 20 anos Dorvalino Rocha tambm foi morto em Antnio Joo. Na vspera do Natal de 2005, ele caminhava no interior da fazenda Fronteira quando foi parado por seguranas particulares. Quatro homens saram do veculo armados e atiraram. Dezoito anos depois, um dos seguranas foi condenado a 16 anos de priso, sentena indita na Justia brasileira.
Assassinato de Marcos Vern (2003)
Em 2003, o lder indgena guarani-kaiow Marcos Vern foi assassinado por funcionrios de uma fazenda em Juti. O caso ganhou repercusso internacional e considerado um dos mais emblemticos na luta pela demarcao de terras indgenas. Apesar de acusados, o crime prescreveu sem condenao dos assassinos.
Bloqueio de sem-terra realizado na rodovia de MS, em dezembro de 2024. (Foto: Divulgao/MST)
Sem-terra - O eixo terra segue como o mais crtico, com 1.768 ocorrncias no Brasil. Desse total, 1.680 foram violncias, como despejos forados, ameaas, destruio de moradias e contaminao por agrotxicos.
J o eixo gua teve crescimento de 16%, alcanando 266 casos o terceiro maior nmero nos ltimos cinco anos. Nesse caso, se refere a disputas concretas entre comunidades rurais, indgenas, quilombolas e pequenos agricultores contra grandes empreendimentos, fazendeiros, mineradoras, empresas de energia e at o prprio Estado, envolvendo o o, controle, uso, contaminao ou desvio da gua.
As principais vtimas desses conflitos foram povos indgenas (71 registros), quilombolas (58), ribeirinhos (28) e posseiros (27). Mas no h dados especficos de Mato Grosso do Sul. Em Dourados, o problema de abastecimento antigo na comunidade indgena, o que gerou investigaes pelo Ministrio Publico Federal.
Outro aspecto abordado no relatrio foi a queda nas aes de resistncia, com menor mobilizao popular, reduo de ocupaes e acampamentos o que, segundo a T, pode ser reflexo de maior represso, criminalizao ou desmotivao frente lentido institucional em resolver os conflitos.
Em 2024, foram registradas 649 manifestaes no pas o segundo menor nmero da dcada , mas com aumento no nmero de participantes: de 111 mil em 2023 para quase 170 mil em 2024. As principais pautas foram reforma agrria, justia ambiental, defesa dos direitos indgenas e combate violncia no campo.
Local onde viviam trabalhadores em Porto Murtinho, em condio de escravos. (Foto: MPT)
Escravido - Alm das tentativas de assassinato, o agronegcio tambm e apontado como explorador abusivo de mo de obra. O Estado tambm apareceu com 19 ocorrncias de trabalho escravo rural, resultando no resgate de 124 trabalhadores o terceiro maior nmero do pas, atrs apenas de Minas Gerais (479) e So Paulo (357). A pecuria foi uma das atividades com mais registros de explorao no Centro-Oeste, somando 65 resgates em diversos estados, incluindo o sul-mato-grossense.
Este ano, o MTE (Ministrio do Trabalho e Emprego) incluiu 155 empregadores no Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores a condies anlogas escravido. Desse total, seis so de Mato Grosso do Sul.
Conhecido como lista suja do trabalho escravo, o cadastro atualizado a cada seis meses. As atividades econmicas com maior nmero de empregadores includos so criao de bovinos, cultivo de caf e trabalho domstico. Atualmente, o Estado soma 13 empregadores na lista.
Das seis novas propriedades inseridas, duas so de Corumb: a Fazenda Santo Antnio e a Fazenda Campo Alegre, onde foram encontrados nove trabalhadores em situao de escravido.
FONTE: CG News