Pesquisa Dinamite pura foi divulgada nesta segunda-feira
O Observatrio da Minerao e o monitor socioambiental Sinal de Fumaa lanaram hoje (27) o relatrio Dinamite pura: como a poltica mineral do governo Bolsonaro armou uma bomba climtica e anti-indgena, em que examinam como ocorreu o encadeamento de medidas que favoreceram o setor. Alm disso, como o nome do documento adianta, h uma anlise sobre os impactos das diretivas ento adotadas, que ainda exigem cuidado da atual gesto.
Na avaliao das entidades, pode-se resumir as decises do perodo como "a combinao explosiva entre o desprezo pelos direitos territoriais e humanos e uma sofisticada estratgia de lobby corporativo". O documento destaca que a implementao de aes de interesse do empresariado do setor e investidores foi possvel graas adeso de parlamentares.
Ou seja, os tratos que visavam a aumentar o lucro do segmento, inclusive beneficiando transnacionais, abrangeram toda a Esplanada dos Ministrios, chegando ao Congresso Nacional. Uma das lembranas quanto a esse aspecto foi o lanamento da Frente Parlamentar Mista da Minerao, de 236 deputados e senadores, que aconteceu em junho de 2019 e deu mais ateno, segundo o relatrio, minerao de pequenos e mdios empreendedores.
Durante os quatro anos de Bolsonaro no Palcio do Planalto, escrevem as entidades, tanto a minerao industrial quanto o garimpo ilegal vivem "anos dourados, na teoria, na prtica e com centenas de bilhes de reais investidos nos mercados interno e global. Ao longo de 84 pginas, os autores do relatrio recuperam, ms a ms, fatos como o rompimento da barragem de Brumadinho (MG) e a meta do governo federal de permitir que empresas estrangeiras pudessem explorar as reservas de urnio brasileiras, de cerca de 609 mil toneladas.
O ano de 2019 no havia chegado ao fim e o Ministrio de Minas e Energia propunha que a minerao no interior de florestas nacionais (flonas) fosse liberada. As flonas so, por definio, uma categoria de rea que deveria contar com a proteo especial do Estado, uma unidade de conservao.
O relatrio ainda coloca em evidncia pontos como a falta de fiscais em determinados locais, de maneira que no se encontram barreiras prtica de ilegalidades na busca por metais. Um caso citado o de desfalques nos estados do Par e do Amap. "S em Itaituba [municpio paraense], s margens do Rio Tapajs, mais de 18 mil pedidos de permisso de lavra garimpeira aguardam anlise da agncia", acrescentam os autores do estudo, a fim de dar a dimenso da vulnerabilidade da regio, j que ao longo do rio vivem indgenas kayap e munduruku, dois dos trs povos mais atingidos pela minerao, juntamente com os yanomami.
Imprensa como inimiga
Para o diretor do Observatrio da Minerao, Maurcio Angelo, um indcio de que os atos do governo representaram ameaas ao meio ambiente e a um conjunto de direitos a postura das autoridades diante dos jornalistas. "De forma bastante clara e deliberada, decidiram no responder imprensa, seja pelas vias oficiais, pelas assessorias de imprensa, seja dificultando bastante a obteno de informao por meio da Lei de o Informao", diz ele, que tambm pesquisador do Centro de Desenvolvimento Sustentvel da Universidade de Braslia (UnB).
"Ler tudo na sequncia dos fatos tambm me remete a como o tema minerao teve muito menos destaque no debate pblico, na cobertura de imprensa, na comoo social, na interface com as pautas socioambientais. Voc teve os grandes acidentes, como Brumadinho, mas isso no se transformou em uma mobilizao crtica da sociedade organizada, e acho que ou muita coisa a que a gente no conseguiu nem reagir", complementa a coordenadora do monitor Sinal de Fumaa, Rebeca Lerer.
Maurcio Angelo considera que a configurao atual das casas do Congresso Nacional no deve ajudar na reverso de matrias aprovadas durante o governo Bolsonaro, nem nas tentativas de barrar outras que tramitam e vo a plenrio, como o caso do Projeto de Lei (PL) 191/2020 que autoriza a explorao em terras indgenas. "Obviamente, apesar de parlamentares de centro, centro-esquerda, esquerda, o Congresso ainda , majoritariamente, de direita e aliado a essas pautas que so de interesse da indstria da minerao e do agronegcio", afirma, acrescentando que a militarizao de rgos como a ento Fundao Nacional do ndio (Funai) tambm contribuiu para o quadro denunciado no relatrio.
Sobre a possibilidade de a comunidade internacional exercer presso significativa, a ponto de refrear excessos das mineradoras, o diretor pondera que o nvel de cobrana menor do que em casos que envolvem apenas desmatamento, por exemplo. Mesmo que desmatamento e minerao mantenham forte relao.
"Como o mundo tem uma demanda muito grande para suprir esses minerais essenciais, estratgicos, nos prximos anos, os projetos de minerao so vistos como necessrios e no h uma crtica, um vis crtico desses acordos que so feitos. Pelo contrrio, visto como algo necessrio, positivo, que tem que ser levado a cabo, independentemente do governo, seja aqui no Brasil ou fora do pas, o que, claro, gera e vai gerar vrios impactos socioambientais no futuro tambm", argumenta.
A Agncia Brasil procurou a assessoria do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas no teve resposta. A reportagem tambm tentou, sem sucesso, contato com o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, que permaneceu no cargo pelo maior tempo, de janeiro de 2019 a meados de maio de 2022.
FONTE: Foto: Jos Cruz / Agncia Brasil